Nascido em 1978, Vasco Gato (VG) pertence àquela categoria de jovens poetas portugueses contemporâneos que acreditam, com uma fé inabalável, nas propriedades transcendentes da poesia. No extremo oposto da aproximação quase prosaica ao real, empreendida pelo campo dos auto-designados poetas "sem qualidades" (reunidos em torno do baudelairiano Manuel de Freitas), VG alinha com os autores que procuram, no acto de escrever versos, um meio de elevação que supere a banalidade quotidiana e se aproxime, com fulgores e prosódia, de uma certa ideia do sublime.
Após dois livros cheios de fragilidades - Um Mover de Mão (2000) e Imo (2003) -, A Prisão e Paixão de Egon Schiele (2005) mostrou que VG não só é bastante mais talentoso do que a maioria dos epígonos de Herberto Helder (o que não é difícil) como conseguiu moldar e depurar uma linguagem capaz de aliar, com inteligência e elegância, o ímpeto metafórico com uma certa narratividade.
É dessa linguagem, marcada pelo excesso e pela desmesura, que se fazem os versos de Omertà, um livro que é uma espécie de hino descarnado ao poder da poesia. Recorrendo a anáforas, inventários e enumerações, VG mergulha numa espécie de vórtice de imagens que procuram dinamitar a percepção comum do mundo. Mais do que a "construção de uma paisagem", o objectivo é criar a "ficção de um sobressalto", implicando-nos num estilhaçamento que nasce do embate do "poema-pedra" contra a realidade.
Nesta demanda de uma "vida transitiva, sem ensaios ou cosmética", há simultaneamente um efeito de intoxicação e de torpor. VG assume a poesia como algo que o corpo absorve e transforma, uma matéria que entra nas veias e se espalha à maneira dos vírus, um combustível que arde de "verso para verso", alimentado a "gasolina e comoção".
Valendo-se da facilidade com que cria metáforas, VG articula muito bem as suas imagens poderosas e viscerais, como quem lança relâmpagos capazes de iluminar a beleza mais secreta das coisas. O livro, contudo, ganharia em ser mais curto e depurado, porque há processos que se repetem em demasia e uma certa retórica lírica que se torna gratuita, previsível e algo cansativa.
Mais do que nos poemas breves e aforísticos ("Não se sai do abismo, aprende-se a sua linguagem"), é nos poemas longos que VG mostra o seu verdadeiro fôlego criativo e os fundamentos teóricos da sua estética, que passam por uma espécie de fusão com a própria escrita: "se um poema não tomou de assalto um homem, das duas uma: ou não era um poema, ou não era um homem". Ou ainda: "Todos os equívocos nascem da distinção entre poema e poeta. Como entre poema e leitor. Como entre poeta e leitor. Acordar é abrir um livro de poemas. Adormecer é abrir um outro livro de poemas."
Após dois livros cheios de fragilidades - Um Mover de Mão (2000) e Imo (2003) -, A Prisão e Paixão de Egon Schiele (2005) mostrou que VG não só é bastante mais talentoso do que a maioria dos epígonos de Herberto Helder (o que não é difícil) como conseguiu moldar e depurar uma linguagem capaz de aliar, com inteligência e elegância, o ímpeto metafórico com uma certa narratividade.
É dessa linguagem, marcada pelo excesso e pela desmesura, que se fazem os versos de Omertà, um livro que é uma espécie de hino descarnado ao poder da poesia. Recorrendo a anáforas, inventários e enumerações, VG mergulha numa espécie de vórtice de imagens que procuram dinamitar a percepção comum do mundo. Mais do que a "construção de uma paisagem", o objectivo é criar a "ficção de um sobressalto", implicando-nos num estilhaçamento que nasce do embate do "poema-pedra" contra a realidade.
Nesta demanda de uma "vida transitiva, sem ensaios ou cosmética", há simultaneamente um efeito de intoxicação e de torpor. VG assume a poesia como algo que o corpo absorve e transforma, uma matéria que entra nas veias e se espalha à maneira dos vírus, um combustível que arde de "verso para verso", alimentado a "gasolina e comoção".
Valendo-se da facilidade com que cria metáforas, VG articula muito bem as suas imagens poderosas e viscerais, como quem lança relâmpagos capazes de iluminar a beleza mais secreta das coisas. O livro, contudo, ganharia em ser mais curto e depurado, porque há processos que se repetem em demasia e uma certa retórica lírica que se torna gratuita, previsível e algo cansativa.
Mais do que nos poemas breves e aforísticos ("Não se sai do abismo, aprende-se a sua linguagem"), é nos poemas longos que VG mostra o seu verdadeiro fôlego criativo e os fundamentos teóricos da sua estética, que passam por uma espécie de fusão com a própria escrita: "se um poema não tomou de assalto um homem, das duas uma: ou não era um poema, ou não era um homem". Ou ainda: "Todos os equívocos nascem da distinção entre poema e poeta. Como entre poema e leitor. Como entre poeta e leitor. Acordar é abrir um livro de poemas. Adormecer é abrir um outro livro de poemas."
José Mário Silva
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